Morsa Images/Getty Images
Em meio à aceleração do retorno ao trabalho presencial, defendido por bilionários como Elon Musk e por executivos de gigantes como Amazon e JP Morgan, modelos flexíveis parecem estar em vias de extinção. As discussões em torno do regime ideal seguem em aberto: mais da metade dos brasileiros (55,7%) – a maioria com três ou mais dias de presencial – afirma que deixaria o emprego se a empresa exigisse mais dias no escritório. “O problema não é o escritório em si, mas a falta de sentido nos dias presenciais”, afirma Daniel Machado de Campos Neto, CEO da EDC Group.
Os dados são de um novo levantamento conduzido pela consultoria de RH e outsourcing, que espelha a metodologia aplicada em uma pesquisa da Resume Builder nos Estados Unidos, com foco em funcionários corporativos. Por lá, o percentual é semelhante, de 53%. “A intenção de saída não nasce da aversão ao escritório, mas do desalinhamento entre obrigação e preferência.”
Segundo o estudo no Brasil, entre os que trabalham presencialmente três dias na semana, a maioria (82%) preferiria dois ou menos. Já entre os que precisam ir cinco dias ou mais, 55% optariam por dois a três dias presenciais.
Produtividade maior em casa ou no escritório?
Os líderes que defendem o retorno ao escritório costumam justificar a decisão com argumentos ligados à produtividade, à cultura organizacional e à colaboração entre as equipes. Segundo o levantamento, 42% dos brasileiros se sentem produtivos no escritório (contra 44% dos americanos), 38% dizem se sentir pouco produtivos e 4% afirmam não render nada — proporções superiores às registradas entre os americanos (8% e 3%, respectivamente).
Apenas 16% dos brasileiros afirmam ser “muito produtivos” no presencial. Nos EUA, a proporção quase triplica, chegando a 45%. “Colaboração não surge por decreto e produtividade não vem da presença física”, afirma o CEO da consultoria. A diferença entre os dois países tem menos a ver com estrutura ou tecnologia e mais com cultura e propósito. “Quando o dia de trabalho não é desenhado para gerar valor, o custo de deslocamento e o ruído operacional superam o benefício do encontro.”
Interrupções, barulho, distrações e o tempo de deslocamento até o trabalho são as principais razões apontadas por brasileiros e americanos para a queda de produtividade no escritório, ainda que com pesos diferentes em cada país. “Com exceção do deslocamento, esses pontos estão ligados ao comportamento e à organização do trabalho.” No Brasil, 58% dos profissionais apontam interrupções de colegas e líderes como o principal vilão da produtividade, seguidos por cansaço com o deslocamento (52%), ambiente barulhento (47%) e distrações sociais (45%). Já nos Estados Unidos, 72% citam as interrupções como o principal obstáculo. “Interrupção é cultura, não um problema fixo. Com um bom acordo, todo mundo sabe quando colaborar e quando ficar em silêncio.”
É papel da liderança criar boas práticas e garantir um ambiente saudável e produtivo para os profissionais. “O gargalo é de governança e organização do trabalho”, diz. “O que não funciona é exigir presença sem redesenhar o dia. Um escritório bom para o híbrido é aquele em que colaborar tem hora e o foco é protegido.”
Mais regras, menos satisfação
Mesmo com menor produtividade, os brasileiros tendem a seguir mais à risca as regras impostas pelos empregadores do que os americanos. Entre os que adotam o modelo híbrido (de um a três dias no escritório por semana), 73,3% afirmam cumprir integralmente a política da empresa — ante 61% nos Estados Unidos. “O brasileiro tende a cumprir o que é exigido, mas nem sempre com engajamento”, explica o empresário.
Apenas 31% dos brasileiros se dizem muito satisfeitos com o modelo de trabalho atual, contra 51% insatisfeitos — mais que o dobro dos americanos (21%). “Nos EUA, a relação é mais livre, com vínculos trabalhistas flexíveis. Já aqui, a CLT e o medo de perder o emprego criam uma adesão mais passiva.”
Entre os fatores que mais pesam na insatisfação com o modelo presencial estão o tempo de deslocamento (26,46%), a dificuldade de equilibrar vida pessoal e profissional (17,11%) e o custo com transporte (13,59%). “Durante a pandemia, parte dos funcionários se mudou para o interior ou litoral. Com o retorno presencial, o custo (em tempo e dinheiro) virou recorrente, e isso pesa diretamente na satisfação.”
Flexibilidade pesa na balança
Se pudessem escolher de onde trabalhar, 72% dos brasileiros acreditam que seriam mais produtivos — índice superior ao dos EUA (68%). “Flexibilidade deixou de ser benefício e virou diferencial competitivo”, afirma o CEO da EDC Group. “Quando as empresas aumentam a carga presencial, mais da metade dos funcionários considera sair. Pequenos ajustes, como horários flexíveis ou auxílio de locomoção reforçado, já fazem diferença.”
Entre as principais medidas para aumentar a satisfação, os brasileiros apontam aumento salarial (22%), horários flexíveis (20%) e benefícios de transporte (12%). Segundo o empresário, as companhias precisam construir um novo modelo — com dias presenciais voltados à colaboração e trocas significativas, e dias remotos reservados para foco e entregas. “A próxima fase não é voltar todos os dias, nem ficar 100% remoto. A tendência é aprender a orquestrar o híbrido, repensando como e onde o trabalho deve acontecer.”

