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Inspirado no ogro mais famoso do cinema, o termo “shrekking” viralizou entre a Geração Z para definir uma nova “estratégia amorosa”: namorar alguém considerado “abaixo dos seus padrões” na esperança de viver uma relação mais estável ou, pelo menos, emocionalmente segura. A tendência ganhou força nas redes, com celebridades como Selena Gomez, Beyoncé, Lana Del Rey e seus respectivos parceiros sendo citados como exemplo de que para chegar ao “felizes para sempre” pode ser preciso ir além do príncipe encantado.
O conceito ultrapassou o universo dos relacionamentos e chegou ao mundo corporativo. No ambiente de trabalho, o chamado “career shrekking” ocorre quando um profissional aceita um cargo, projeto ou empresa aquém de seu potencial — não por falta de ambição, mas por autoproteção. É uma forma de evitar riscos: o medo da rejeição, da instabilidade ou do fracasso. “Em tempos de incerteza, os profissionais acabam aceitando oportunidades menores do que a sua capacidade e qualificação em troca de ter um emprego garantido”, afirma Müller Gomes, especialista em recrutamento da consultoria Robert Half. “As pessoas estão pensando duas vezes antes de fazer transições e avaliando o impacto emocional e pessoal de cada movimento”, diz Marina Ferreira, sócia da consultoria Korn Ferry.
O que está por trás do “career shrekking”
Existem diversas razões pelas quais as pessoas adotam essa tendência. O shrekking permite que o profissional se sinta mais seguro em sua trajetória, sem precisar lidar com a vulnerabilidade que acompanha funções mais desafiadoras ou ambiciosas. Em muitos casos, cria-se a ilusão de controle e a sensação de que é possível evitar riscos, como a demissão, a exposição ou o fracasso público.
Segundo Gomes, o “career shrekking” costuma acontecer com mais frequência quando os profissionais estão desempregados. “O profissional que está fora do mercado acaba tendo inseguranças e até duvidando da sua própria capacidade”, diz. “Ele quer se recolocar o mais rápido possível, então aceita qualquer trabalho, independentemente do tamanho da cadeira.”
Uma pesquisa publicada na revista acadêmica Journal of Personality and Social Psychology investigou como a autoestima influencia comportamentos que envolvem risco de rejeição. Os pesquisadores descobriram que indivíduos mais independentes e com autoestima mais alta tendem a se arriscar mais — no trabalho, isso significa buscar promoções, propor ideias e até mudar de área.
Enquanto isso, as pessoas que preferem evitar riscos permanecem em zonas de conforto. Embora possa parecer uma escolha racional, essa atitude pode, na prática, sabotar o crescimento e corroer a autoconfiança. “A estabilidade é importante, mas se vier desacompanhada de aprendizado ou reconhecimento, o resultado costuma ser o oposto do desejado: desmotivação e estagnação”, diz Ferreira.
O problema de ficar na zona de conforto
Uma das consequências do “career shrekking” é o que especialistas chamam de “rust-out” — o oposto do burnout. Em vez de estar sobrecarregado, o profissional sente que está enferrujando, desperdiçando seu potencial em algo que não o desafia. “Em três ou quatro meses, o profissional vai estar desmotivado por estar sendo subutilizado”, explica Gomes. “Ele entende que pode entregar mais pelo que já desenvolveu na carreira, mas ele mesmo aceitou uma oportunidade menor em busca de estabilidade e segurança psicológica e financeira.”
O rust-out pode gerar problemas tanto para a carreira do profissional quanto para a empresa. “A companhia perde o que investiu em capacitação e o profissional, por sua vez, não vai aguentar ficar tanto tempo na função e acaba com uma passagem curta no currículo que pode ser prejudicial no mercado de trabalho.”
O “career shrekking” pode acontecer também pelo lado da empresa. “Líderes que ainda não estão maduros podem preferir promover profissionais mais ‘seguros’, que acatam todas as suas ideias”, diz o especialista. “Mas, nesse cenário, ninguém evolui — nem a área, nem a empresa, nem o próprio líder.”
Por que o “career shrekking” não é a melhor opção para sua carreira
Tendências como o “career shrekking”, ou qualquer estratégia baseada em controle, podem parecer escudos contra a rejeição, mas reforçam inseguranças. Ao escolher cargos, empresas ou funções que não envolvem desafios e parecem estar abaixo das suas capacidades, o profissional ensina a si mesmo que sua segurança depende de ter sempre a vantagem, ou de nunca correr riscos.
Com o tempo, até pequenas mudanças, como uma nova liderança, uma reestruturação ou um feedback mais duro, passam a parecer ameaças. A pessoa se acostuma a depender do controle, e não da confiança nas próprias habilidades.
A ideia de que um cargo é grande ou pequeno demais transforma o trabalho em uma competição permanente, minando a curiosidade, o aprendizado e a colaboração. Quando você enxerga seu emprego apenas como um meio de se proteger, deixa de ver o propósito, o crescimento e o valor que ele pode te oferecer.
Em vez de buscar a falsa sensação de segurança que vem do controle, vale investir no trabalho interno de construir autoestima profissional e abrir espaço para novos riscos. “É preciso estimular o aprendizado, a curiosidade e a confiança, mesmo em tempos mais difíceis”, diz Ferreira.
*Com Mark Travers, colaborador da Forbes USA e psicólogo americano formado pela Cornell University e pela University of Colorado em Boulder.

