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À medida que a inteligência artificial ganha espaço no ambiente de trabalho – de relatórios corporativos a consultórios médicos –, mais profissionais se queixam de que a tecnologia produz conteúdos superficiais ou de baixa qualidade. Relatórios recentes apontam que o fenômeno, apelidado de “AI workslop”, está atrapalhando a produtividade e custando milhões às empresas.
O que é “AI workslop”?
Um artigo recente da Harvard Business Review afirma que o “conteúdo malfeito por IA está destruindo a produtividade”, e explica como isso acontece: “Com a popularização das ferramentas de IA, os profissionais conseguem produzir resultados polidos rapidamente: apresentações bem formatadas, relatórios longos e estruturados, resumos aparentemente sofisticados de artigos acadêmicos feitos por não especialistas e até códigos de programação utilizáveis. O problema é que, enquanto alguns usam esse recurso para aprimorar um bom trabalho, outros acabam criando conteúdos incompletos, sem contexto ou pouco úteis. O efeito perverso do workslop é deslocar a responsabilidade para quem recebe o material, que precisa interpretar, corrigir ou refazer o trabalho. Ou seja, o esforço passa do criador para o receptor.”
Nos Estados Unidos, esse impacto foi medido: 40% dos profissionais corporativos dizem ter recebido trabalhos malfeitos que utilizaram IA no último mês, segundo uma nova pesquisa do BetterUp Labs e do Stanford Social Media Lab. São relatórios, atas de reuniões e propostas com aparência profissional à primeira vista, mas que acabam desperdiçando horas para serem corrigidos. Em média, funcionários gastam duas horas com o retrabalho, o que custa cerca de US$ 186 por colaborador ao mês. Em escala, isso equivale a aproximadamente US$ 9 milhões por ano para uma empresa com 10 mil funcionários.
O problema não se resume ao tempo perdido. Colegas que recebem esses conteúdos se sentem irritados, confusos e até ofendidos. Além disso, tendem a enxergar quem os enviou como menos competentes, menos confiáveis e até menos inteligentes. Em uma era em que reputação e colaboração são essenciais para o crescimento profissional, isso pode representar um risco para a carreira.
Cuidados necessários ao usar IA no trabalho
Um relatório do MIT Media Lab mostra que, apesar do entusiasmo com a IA, 95% das empresas não conseguem medir o retorno real sobre o investimento em inteligência artificial.
Claro que nem toda produção que utiliza IA no processo é descartável. Quando bem aplicada, a tecnologia pode ajudar a gerar trabalhos mais rápidos, claros e consistentes. Até o fim de 2024, 40% das empresas já usavam IA em operações diárias, e outros 40% testavam sua aplicação. Ou seja, 8 em cada 10 empresas já estavam utilizando ou se preparando para adotar a tecnologia.
Segundo Ryan Zhang, especialista em produtividade no trabalho e fundador da Notta, ferramenta de transcrição ao vivo para reuniões online, o problema não é a tecnologia em si, mas como ela é usada. “Quando as empresas aplicam a IA em tarefas específicas, com objetivos claros, ela melhora a eficiência e libera os times para focar em atividades de maior valor. O segredo está em saber integrá-la aos fluxos de trabalho de forma que realmente agregue.”
Para Hommer Zhao, fundador da empresa WellPCB, a IA é uma faca de dois gumes: “Ela tem um enorme potencial para otimizar processos e aumentar a eficiência, mas só funciona de fato quando aplicada com cuidado.”
5 dicas para usar IA no trabalho sem cair no “workslop”
O especialista em produtividade Ryan Zhang sugere cinco passos para aproveitar a IA sem cair nas armadilhas do conteúdo malfeito:
- Comece devagar. Teste a IA em tarefas específicas e de baixo risco.
- Defina metas mensuráveis. Estabeleça o que significa sucesso com IA: mais eficiência? menos erros? mais qualidade?
- Integre a IA gradualmente. Não sobrecarregue sua equipe usando inteligência artificial em tudo de uma vez. Priorize áreas onde o impacto pode ser imediato.
- Monitore e ajuste. Avalie constantemente os resultados e refine o uso da tecnologia.
- Mantenha o toque humano. A criatividade, a estratégia e a empatia no trabalho continuam sendo insubstituíveis.
Por que a liderança deve ficar atenta
Empresas no mundo todo estão adotando ferramentas de IA para automatizar processos. Mas especialistas alertam que os ganhos de produtividade podem virar perdas à medida que o “workslop” toma conta.
Para Zhao, o papel da liderança é garantir que a IA complemente, e não substitua, as habilidades humanas. “Quando bem utilizada, a IA reduz desperdícios, corta erros e traz insights rápidos, mas é preciso clareza sobre suas capacidades e limites.”
Jamie Aitken, vice-presidente de transformação de RH da Betterworks, empresa de software de gestão, concorda: “Cabe aos líderes definir expectativas claras sobre como usar a IA para reduzir o workslop.”
O problema não é novo, mas, como é de se esperar, a tecnologia tem acelerado. “Sistemas de trabalho falhos existem há décadas – avaliações anuais com feedbacks defasados, metas desalinhadas, reuniões que geram mais dúvidas do que respostas. O peso sempre sobra para o time. A IA só acelera essa bagunça.”
Segundo o executivo, a liderança deve dar o exemplo de uso consciente da tecnologia e definir o tom para o resto da organização. “[A IA] ajuda gestores a orientar melhor, mantém equipes alinhadas e libera tempo para contribuições significativas. Quando usada de forma errada, acelera a mediocridade.”
*Bryan Robinson é colaborador da Forbes USA. Ele é autor de 40 livros de não-ficção traduzidos para 15 idiomas. Também é professor emérito da Universidade da Carolina do Norte, onde conduziu os primeiros estudos sobre filhos de workaholics e os efeitos do trabalho no casamento.