
Imagem gerada pelo ChatGPT
“A vida passa rápido demais, e se você não parar de vez em quando para olhar ao redor, pode deixá-la escapar.” Essa frase, tão simples e ao mesmo tempo sofisticada, poderia ter sido dita por Sêneca, meu estoico favorito. Mas não: foi dita por Ferris Bueller, no clássico “Curtindo a Vida Adoidado“, filme da Paramount Pictures de 1986.
Se você não tem ideia do que estou falando, volte duas casas e assista a essa obra-prima (disponível no Globoplay). Depois volte aqui.
“Curtindo a Vida Adoidado” foi um dos filmes que mais impactaram a geração dos anos 1980, não apenas pela história divertida, pelo elenco ou pela mensagem de não deixar a vida passar no “piloto automático”, mas sobretudo pela forma como o diretor John Hughes nos coloca dentro da narrativa. Ele faz isso com uma técnica muito utilizada hoje em séries e filmes, mas que, na época, foi revolucionária: a quebra da quarta parede.
Quando Ferris fala para a câmera, ele nos convida a deixar de ser espectadores e a participar ativamente do que está vivendo. Do começo ao fim do filme, nós também nos tornamos protagonistas da história.
E é aqui que começa a nossa conversa sobre intenção.
Algumas línguas, como o hindi e o hebraico, possuem termos impossíveis de traduzir, porque não são apenas palavras, são intenções. Karma, por exemplo, não é só destino: é ação, consequência, ética e espiritualidade. É o peso da intenção moldando a própria vida.
E por que isso importa? Porque intenção dá sentido à ação.
No momento em que escrevo esta coluna, uma mentorada minha enfrenta o dilema clássico das mães que retornam ao trabalho após a licença-maternidade. Um ritmo frenético de muitas horas dedicadas às atividades profissionais e poucas ao seu bem mais precioso.
Felizmente, a Ana Paula entendeu cedo a lição: a sociedade vai te julgar de qualquer jeito, então é melhor ser julgada pelo que faz sentido para você.
Para alguém que costumava trabalhar todos os dias após o expediente e raramente tirava férias, praticamente uma “mulher-maravilha 24/7”, tornou-se clara a intenção de mudar o rumo da sua vida, ou melhor, das suas vidas, quando ela engravidou.
Quando perguntei “Paulinha, qual é a sua intenção?”
A resposta veio em modo Ferris Bueller, como se convidasse o mundo inteiro a ouvir e respeitar o que ela estava prestes a dizer: “Investi mais de dez anos construindo uma marca de respeito, com muito propósito e valor, hoje somos a 4ª maior empresa do nosso setor no Brasil. Como posso desperdiçar a chance de viver mais tempo com a minha filha que tanto desejei? Vou, sim, usar o privilégio que tenho.”
Eu, que já nasci emocionada, quis levantar da mesa e puxar um aplauso coletivo no restaurante onde almoçávamos (Cecília, sua bebê de 5 meses, também estava presente), mas lembrei que não estávamos em um filme e apenas dei os parabéns pela coragem dela em afirmar a escolha que havia feito.
Foi fácil? Não.
Existe mãe perfeita? Não.
Todas as mulheres conseguem ter essa flexibilidade? Não.
Você sempre vai perder algo em uma decisão assim? Sim.
“Sucesso é conseguir o que você quer. Felicidade é querer o que você consegue.”
Dale Carnegie
Saber que, com intenção, podemos construir uma vida mais alinhada aos nossos valores é o que todos nós deveríamos buscar. Ninguém pode tirar isso de você.
Para transformar sua escolha em realidade, Paulinha atravessou um processo intenso de preparação. Foram nove meses de dedicação para organizar o time, buscar as ferramentas certas, treinar as equipes e comunicar com transparência os novos processos para toda a empresa. Mas, mais do que tudo, foi um tempo de preparar a mente e o coração para a nova fase que ela está prestes a viver.
Por isso, há duas perguntas que deveríamos nos fazer com mais frequência:
- Além da remuneração, o que mais quero construir com o meu trabalho?
- A decisão que estou prestes a tomar pode me aproximar ou me afastar disso?
Na nossa primeira sessão de mentoria, ela me disse que queria ser uma profissional bem-sucedida e reconhecida, mas, quando chegasse a hora de ter um filho, gostaria de mudar sua relação com o trabalho.
O médico, escritor e professor Deepak Chopra ensina que cada célula do nosso corpo está “escutando” os nossos pensamentos e emoções, sendo modificada por eles, o que significa que podemos mudar nossa biologia apenas com o poder da mente. Mente e intenção.
Para ser a melhor mãe possível para Cecília, Paulinha precisou ter a ousadia de desafiar a cultura da empresa e de seu chefe. No fundo, todos sabemos de uma verdade incômoda: relações, seja no trabalho ou em família, nunca são simples. Justamente por isso, é preciso viver com intenção, escolhendo o que realmente faz sentido para a sua vida, em vez de apenas reagir, por impulso, ao que a sociedade insiste em esperar de você.
Porque é isso que a intenção faz: alinha ações com valores, dá clareza às escolhas e coloca presença no caminho.
Viver com intenção muda tudo.
Quem sabe amanhã, quando você acordar, vai repetir a frase do Ferris em voz alta e olhando para a câmera: “Não ficarei impassível perante os fatos que transtornam minha vida. Tomarei uma atitude.”
E nunca se esqueça de que o ser humano é feito de conexões. Você sempre precisará de aliados na sua jornada profissional.
Luciana Rodrigues é conselheira do board da Junior Achievement, membro do conselho da Iniciativa Empresarial pela Igualdade e do comitê estratégico de presidentes da Amcham. Também é aluna de pós-graduação em neurociências e comportamento.
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