
Cody Pickens/Forbes
Sentado em uma sala de reuniões no escritório da Mercor, em São Francisco, o CEO Brendan Foody lembra o dia em que tudo mudou. A Meta havia anunciado a compra de quase metade da Scale AI – gigante em rotulagem de dados – por US$ 14 bilhões, além de levar seu CEO, Alexandr Wang. A Mercor, uma rival menor que recruta PhDs e outros especialistas para treinar modelos em laboratórios de IA, viu uma oportunidade imediata. “Fiquei surpreso no começo”, contou Foody à Forbes. “Depois, isso foi virando entusiasmo com o futuro.”
“Não é comum em startups ver isso acontecer com seu maior concorrente da noite para o dia”, disse o cofundador e CTO, Adarsh Hiremath. Segundo eles, a parceria da Scale com a Meta fez muitos dos grandes laboratórios de IA, preocupados com a perda de neutralidade, deixarem de querer trabalhar com a empresa.
A Mercor se tornou símbolo da era da IA no Vale do Silício e de seus fundadores na casa dos 20 anos. Aos 22, Foody, Hiremath e Surya Midha são todos bolsistas Thiel, programa do bilionário Peter Thiel que concede US$ 100 mil por ano a jovens que abrem mão da faculdade para empreender. Amigos de longa data, que se conheceram na equipe de debate do ensino médio em um subúrbio da Bay Area, fundaram a Mercor em 2023.
A startup, apoiada por nomes de peso como a Benchmark (fundo de venture capital), o cofundador do Twitter Jack Dorsey e o ex-secretário do Tesouro dos EUA Larry Summers, está em transição. No mês passado, contratou o ex-diretor de produto da Uber, Sundeep Jain, como seu primeiro presidente, trazendo a experiência de uma gigante de tecnologia para a operação ainda iniciante.
A Mercor também vai se mudar em breve para o antigo escritório do Instagram, no centro de São Francisco, um espaço maior para a equipe em rápido crescimento. Este ano, a empresa estreou na 89ª posição da lista Cloud 100 da Forbes EUA, que reúne as maiores empresas privadas de computação em nuvem do mundo.
IA no recrutamento
O negócio principal da Mercor mudou. A empresa não nasceu focada em rotulagem de dados, e esse também não é o objetivo de longo prazo. A ideia original era modernizar o recrutamento com IA.
Os fundadores construíram uma plataforma em que candidatos eram entrevistados por um avatar de IA e depois conectados a empresas em busca de talentos, como uma espécie de Deloitte ou Accenture da nova geração. Mas o lançamento do ChatGPT, poucas semanas antes da fundação da Mercor, desencadeou uma corrida entre as big techs para treinar os modelos de IA mais avançados. Foi aí que a Mercor – cujo nome vem de mercado, em latim – encontrou seu espaço: escalar pessoas para treinar modelos de IA. E reposicionou toda a empresa nessa direção.
Foody não gosta de chamar isso de “pivotar”. A rotulagem de dados se encaixa no propósito central de conectar profissionais a empresas. Seja qual for o nome, o fato é que deu certo: em março, a empresa anunciou uma projeção de receita anual de US$ 100 milhões e, no primeiro semestre, teve lucro de US$ 6 milhões. Segundo a companhia, o crescimento mensal foi de quase 60% nos últimos seis meses. Foody não revelou qual a fatia da rotulagem no negócio, mas disse que é o “motor de crescimento central” da Mercor.
Concorrência
O setor é bastante concorrido, mesmo após o baque da Scale. A Surge, fundada em 2016, já foi avaliada em US$ 25 bilhões. A Turing AI, avaliada em US$ 2,2 bilhões, levantou US$ 110 milhões em julho. E a Invisible, avaliada em US$ 500 milhões em 2023, virou parceira-chave da OpenAI e da Microsoft.
Questionada, a Scale AI rebateu as falas da Mercor. “Não surpreende que a Mercor esteja espalhando mentiras sobre seu maior concorrente”, disse em nota o porta-voz Joe Osborne. “Continuamos independentes e neutros, e já dissemos isso publicamente várias vezes.”
Segundo Foody, o diferencial da Mercor está em fornecer especialistas altamente qualificados, como PhDs ou advogados, que recebem entre US$ 90 e US$ 150 por hora. Esse tipo de expertise é essencial para treinar modelos de raciocínio avançados, que precisam de especialistas para ensinar como “pensar” em pedidos de múltiplas etapas. Entre os perfis favoritos dos fundadores para treinar IA estão um grande mestre de xadrez e um detetive particular. Foody também destaca os algoritmos de matching da Mercor, que permitem escolher a pessoa certa para cada projeto.
A empresa afirma já ter conquistado grandes laboratórios de IA, incluindo a própria OpenAI. A Applied Compute, fundada por ex-funcionários da criadora do ChatGPT, usa a Mercor para fornecer conjuntos de dados em áreas específicas, como finanças. “Eles atraem um nível de talento que muitas outras plataformas não conseguem”, disse Yash Patil, CEO da Applied Compute e ex-colega dos fundadores no programa Thiel Fellowship.
Mas também há críticos. O CEO de uma concorrente elogiou a Surge pela execução e volume, enquanto disse que a Mercor não aparecia tanto no radar quando se tratava de grandes contratos. “Vejo muito menos eles”, afirmou. Ainda assim, reconheceu que o foco da Mercor está no fornecimento de especialistas de alta qualificação.
Esse foco em dados de qualidade chamou atenção dos investidores. Em fevereiro, a empresa levantou US$ 100 milhões em rodada liderada por Felicis, Benchmark e General Catalyst, elevando sua avaliação para US$ 2 bilhões – oito vezes mais do que os US$ 250 milhões de poucos meses antes. Agora, Peter Fenton, sócio da Benchmark e investidor inicial de Twitter e Yelp, entrou para o conselho, após Victor Lazarte anunciar sua saída em julho para abrir seu próprio fundo. “Acho que a Mercor se provou como a fornecedora de dados de maior qualidade”, disse Lazarte. “Quem constrói modelos entende que a qualidade dos dados é mais importante que a quantidade.”
Os perigos da IA na contratação
Há riscos em deixar a IA influenciar contratações. Em geral, modelos de linguagem podem gerar respostas enviesadas. Foody argumenta que a Mercor reduz esse risco mais do que o recrutamento tradicional, já que sua IA não tem acesso a identificadores como nome, gênero ou raça. Ele também garante que a empresa não usa entrevistas para treinar o recrutador de IA, preocupação de alguns críticos.
A venda da Scale para a Meta abalou o mercado e levantou dúvidas sobre o futuro da rotulagem de dados. Muitos se perguntaram por que o CEO da líder do setor pularia fora se não enxergasse problemas no horizonte. Já Foody vê o contrário: o acordo validou o mercado, já que a gigante das redes sociais pagou bilhões por 49% da Scale. Para ele, sempre haverá necessidade de treinadores humanos de IA enquanto houver conceitos complexos a serem ensinados, e isso deve durar bastante tempo.
Agora, a Mercor quer subir de patamar. Com a chegada de Sundeep Jain, ex-Uber, como presidente, ele virou o “adulto da sala” – como quando o Google trouxe Eric Schmidt para orientar os jovens fundadores Larry Page e Sergey Brin. Jain disse que sua missão é escalar todos os sistemas da Mercor: processos de integração, gestão e sistemas de rastreamento e relatórios para clientes. Aos 54 anos, brincou que está “aumentando significativamente a idade média da empresa”.
Isso fica evidente no clima do escritório. Em uma sexta-feira de julho, o ambiente estava agitado. Nas paredes, frases inspiradoras de ícones da tecnologia e também de engenheiros da Mercor. Uma citação do empresário e bilionário indiano Vinod Khosla dizia: “Nenhuma inovação significativa já surgiu de uma grande empresa”. Perto dali, um outro cartaz com uma frase de um engenheiro da casa: “Bem-vindo a bordo da nave foguete”. Vários exemplares de “De Zero a Um”, de Peter Thiel, estavam espalhados. No carrinho de bar do escritório, ao lado de garrafas de Dom Pérignon e Don Julio 1942, havia fileiras de energéticos Monster e uma solitária lata de Pringles sabor cachorro-quente.
A trajetória dos fundadores da Mercor
CEO da empresa, Foody sempre respirou o ambiente de inovação do Vale do Silício: a mãe trabalhava na Meta e o pai fundou uma empresa de interface gráfica nos anos 1990 antes de virar mentor de startups. Um de seus primeiros negócios, ainda no colégio, foi ajudar amigos a conseguir promoções na Amazon Web Services, cobrando US$ 500 de cada um. Em casa, absorvia conselhos de carreira e empreendedorismo na mesa de jantar.
Originalmente, o trio criou a empresa para conectar engenheiros indianos a empresas americanas em busca de programadores freelancers. Logo, investidores interessados começaram a cortejá-los. “Eles não são apenas prodígios”, disse Fenton, da Benchmark. Para atrair os fundadores, levou-os em um passeio de helicóptero sobre São Francisco. A Felicis Ventures, outra investidora, fretou um jatinho até Las Vegas para que eles corressem de Ferrari em uma pista de Fórmula 1. Foody venceu a corrida, lembra Sundeep Peechu, sócio da Felicis, dizendo que ele fazia curvas de forma agressiva. “O tomador de risco adequado da empresa precisa ser o CEO.”
O objetivo de longo prazo da Mercor é conseguir combinar cada pessoa ao emprego mais adequado. No futuro, a empresa quer colocar advogados em escritórios de advocacia e médicos em hospitais. Por enquanto, porém, o dinheiro está no treinamento de IA – e tudo indica que continuará assim, já que a Scale deixou um espaço significativo no setor. “Eles deixaram um vazio muito importante”, afirma Foody.