
TiagoLima
Ivory Harris tem 51 anos. É socióloga e psicóloga, saberes que dão suporte ao seu cargo de vice-presidente sênior e diretora global de recursos humanos da AGCO, multinacional americana do setor de máquinas e tecnologias agrícolas, dona de marcas como Fendt, Massey Ferguson, Valtra, GSI, Challenger, Precision Planting, em um total de 40 marcas.
Ela contou à Forbes que não se lembra da primeira vez que pilotou um trator, porque era ainda criança. Ivory cresceu na fazenda do avô, criador de aves e suínos no Texas, nos Estados Unidos, e diz que o quintal de casa dava para a propriedade do vizinho, que era “lotada de maquinários”.
No cargo há quatro anos, operar trator não faz parte da sua rotina, mas ela não perde uma oportunidade. Em visita ao Brasil, na terça-feira passada, Ivory estava em cima de um trator, na fábrica da AGCO, em Mogi das Cruzes (SP). Ela veio ao Brasil pela quarta vez, mas não esteve aqui por causa dos tratores e sim das pessoas que operam, fabricam, utilizam e ajudam outras pessoas a solucionar problemas.
“A maior parte das empresas só se preocupam com produtividade, inovação ou receita. Mas, no fim das contas, as pessoas são o início e o final de tudo isso. E nisso tudo há uma forte conexão entre pessoas e produtividade que muitos ainda não entendem”, disse ela.
Ivory é a responsável por liderar o desenvolvimento e a execução de estratégias de talentos da AGCO, uma corporação com 25 mil funcionários, dos quais 3.800 no Brasil. Em 2024, a AGCO faturou globalmente US$ 11,7 bilhões. “O RH é a ciência de entender como motivar e valorizar pessoas, e como criar um ambiente em que elas entreguem produtividade. Essa é a minha função”, afirma Ivory.
Ela veio ao Brasil, direto de Duluth, na Geórgia, onde está seu escritório central, para uma estadia de 15 dias e uma missão: promover uma espécie de integração nas unidades da AGCO de Jundiaí, onde está sede da empresa no Brasil, mais Mogi das Cruzes, ambas em São Paulo, e as unidades de Canoas, Santa Rosa e Ibirubá, no Rio Grande do Sul.
De Dave Ulrich, considerado o “pai do RH moderno”, a Peter Cheese, CEO do britânico Chartered Institute of Personnel and Development (CIPD), e autor do livro do livro The New World of Work, há uma busca nesse universo do desenvolvimento humano que tenta entender o futuro do trabalho por meio de vieses que vão se transformando continuamente, como liderança, cultura organizacional, habilidades e tecnologias. E essa busca atual está nos ambientes urbanos, rurais e onde estão se interseccionando. Não por acaso, na agenda brasileira de Ivory estavam reuniões com lideranças, produtores rurais e concessionários das marcas. O objetivo? Traçar possíveis cenários de desafios pelos quais esse público passa. E não são poucos.
É dado como certo que nesta desafiadora era de retenção de talentos, a concorrência por profissionais qualificados deve permanecer intensa e a escassez global de habilidades pode se agravar nos próximos anos. E o fenômeno conhecido como “guerra por talentos” é um “elefante branco na sala” que as organizações tentam domar continuamente.
Ivory tem essa missão de conhecer as particularidades de cada região da AGCO e criar estratégias e projetos de desenvolvimento de talentos e lideranças globais que se adaptem a todas as unidades da empresa, incluindo em países da América do Sul, Europa e Ásia. “Sou uma pessoa que consegue influenciar decisões organizacionais. Preciso criar estratégias e um ambiente em que os funcionários se sintam seguros e que tenham oportunidades”, afirma Ivory.
Em um país como o Brasil, grande produtor e exportador entre as maiores commodities globais, como soja, milho, algodão, café e proteínas, a intensificação da tecnologia, o uso de maquinários modernos, conectados e prontos para uma agricultura 5.0 vai fazer a diferença na perenidade das empresas do setor. O futuro do trabalho nas organizações modernas vai combinar cada vez mais tecnologia avançada e centralidade nas pessoas.,
A AGCO Academy, centro de treinamento de profissionais que atuam no apoio e manutenção de máquinas das marcas Fendt, Massey Ferguson e Valtra, é uma dessas estratégias. O projeto, segundo Ivory, conecta a empresa, concessionários, engenheiros e a equipe de manutenção em um só lugar para que, juntos, problemas relacionados aos maquinários sejam solucionados. No Brasil, o centro de aprendizado fica em Jundiaí, com capacidade para treinar 600 técnicos por ano.
É na AGCO Academy que eles também têm acesso à tecnologias recentes, incluindo de inteligência artificial (IA). “Um dos maiores desafios do setor hoje é encontrar talentos que saibam operar essas novas ferramentas”, afirma Ivory. “Não vamos extinguir os seres humanos, mas sim, fazer uma parceria com a tecnologia. Uma máquina hoje faz 44 coisas diferentes e precisa de um agrônomo que reúna esses dados e faça relação entre eles”.
Para a executiva, a ACGO Academy ainda está indo além. “Reunimos diferentes atores essenciais da empresa para aprender sobre maquinário agrícola, mas, principalmente, ajudamos a formar lideranças que realmente entendem as convicções, a cultura, os clientes, o produto e a agroindústria”, disse ela. “Também existe o aprendizado de como criar uma conexão e um senso de pertencimento na empresa”.
Ivory, ela mesma um talento capturado pela AGCO
Empresas precisam de talentos como o de Ivory porque ela reúne três atributos raros e estratégicos: uma visão humana aliada ao negócio; conexão entre cultura, tecnologia e resultados; e uma capacidade de atuação global e adaptação local. E mais, se descobriu no setor do agro, mesmo sem querer.
Ela conta que além da influência do avô, cresceu em um mundo agropecuário. Na escola, por exemplo, havia aulas sobre exposição de equipamentos. Mas seguir os passos do avô não estava em seus planos. “Queria continuar na agricultura, mas ela era uma escolha de carreira para mim”, afirma ela.
A influência dos pais, que vieram do ensino e da medicina, a levou para o curso de ciências sociais e psicologia, e quase fez um estágio como assistente de enfermagem. “Errei a data da entrevista, mas no dia seguinte me ofereceram um trabalho no departamento de recursos humanos do hospital”, disse Ivory. “Não fazia ideia do que uma pessoa de RH fazia, mas a minha curiosidade me fez agarrar a oportunidade. O RH me encontrou e eu disse ‘sim’”.
A partir daí, ela conta que se apaixonou pela dinamicidade da área. “Nenhum dia é igual ao outro”. A falta de previsibilidade também é uma característica de quem trabalha com o agronegócio. De certa forma, ela nunca tirou os pés do agro. “Do meu jeito, hoje vejo que dei continuidade ao legado do meu avô”, afirma.
Antes da AGCO, Ivory trabalhou por 17 anos na Basf, uma das maiores empresas químicas do mundo, onde também ocupou cargos de liderança em RH. Para ela, aceitar a proposta da AGCO depois de anos em uma mesma empresa foi desafiador. E também um aprendizado.
“É assustador entrar em um mundo novo. O que motiva ficar são os desafios na cadeia produtiva, as tensões geopolíticas e como posso ajudar a organização a passar por isso”, diz Ivory. “Não sei qual é o futuro do setor ou do RH, mas sei que vou preparar a empresa para ser resiliente às mudanças”.