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Na última semana de junho, mais de 100 profissionais de RH e de áreas jurídicas se reuniram para uma discussão, organizada pelo Lobo de Rizzo Advogados e a How2Pay Consultoria, sobre o movimento que parece ser uma tendência sem previsão de retorno, mas que é ainda cercada de muitas incertezas e desafios: a “pejotização” no mundo corporativo.
Vale começar dizendo que a legislação prevê a possibilidade de contratação de profissionais para a prestação de serviços no modelo PJ, ainda que haja habitualidade e pessoalidade, e mesmo que para atuação em áreas fim do negócio. O que define a existência de vínculo empregatício é a subordinação.
A Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) reforçou esse entendimento e, desde então, impactos reais vêm sendo percebidos no mercado. Segundo dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), apesar do saldo crescente de contratações em todo o país, as posições gerenciais e de diretoria apresentam decréscimo. Ao mesmo tempo, há um aumento de profissionais atuando por conta própria e também um crescimento na abertura de novas empresas.
Ou seja, estão migrando do modelo de contrato CLT para o modelo PJ. Mas aí começam os conflitos, uma vez que o governo deixa de arrecadar os encargos tributários nesta configuração, enquanto as empresas economizam e os profissionais têm uma percepção de ganho maior, porque valores que seriam pagos a título de 13º, férias e FGTS são normalmente mensalizados, incrementando os ganhos de curtíssimo prazo (além de também pagarem menos impostos).
O ganho para as empresas é evidente, assim como os riscos de processos trabalhistas. Segundo a ANPT (Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho), somente em 2024 a Justiça recebeu mais de 460 mil processos que tratam de reconhecimento de vínculo trabalhista. Há outros 4,7 mil inquéritos sobre o tema sendo conduzidos pelo MPT (Ministério Público do Trabalho). Em razão desse cenário, o STF determinou a cassação de diversas condenações impostas pela Justiça do Trabalho, na maior parte dos casos enviando-as de volta para novo julgamento com base na sua nova jurisprudência sobre a terceirização.
Os desafios na contratação de PJs não param por aí, e incluem discussões sobre o Art. 146 da Lei das S.A., que define que apenas pessoas naturais poderão ser eleitas para membros dos órgãos de administração; dilemas sobre concessão de benefícios, que seriam restritos a empregados e diretores contratados como pessoa física; riscos na avaliação de empresas em situação de M&A, investimento e tomada de crédito; além de ser incompatível com empresas em processo de IPO, considerando o padrão de governança estabelecido para organizações de capital aberto.
Geração Z não quer ser CLT
Tudo isso acontece num momento em que percebemos mudanças significativas nas preferências do trabalhador, com novas expectativas da Geração Z no que se refere a autonomia, flexibilidade, qualidade de vida, velocidade na ascensão de carreira, além de movimentos como quiet quitting, great resignation e resenteeism, que viralizam nas redes sociais. E como se não bastasse toda essa comoção, jovens passaram a incluir o termo “CLT” em seu arsenal de ofensas, presumindo que quaisquer profissionais submetidos às leis do trabalho fossem piores ou menores de alguma forma. O sucesso, portanto, deixa de ser associado à trajetória tradicional de estudo, qualificação e progressão lenta (via CLT) e passa a estar voltado à idealização do empreendedorismo.
Esse movimento vem sendo capturado em pesquisas recentes, como a do Datafolha, de junho deste ano, que aponta que 59% dos entrevistados preferem trabalhar por conta própria, e 31% aceitariam trabalhar sem carteira assinada, desde que a remuneração fosse maior (vs. 21% em 2022). Segundo um estudo do Instituto Locomotiva de abril, 64% dos respondentes enxergam o empreendedorismo como um caminho para ter autonomia e qualidade de vida. Já um levantamento da Fiesp realizado em março aponta que 21% das fábricas que contrataram entre janeiro de 2024 e março de 2025 não conseguiram preencher suas vagas, e 77% classificaram o processo como “difícil” ou “muito difícil”.
E aí, os dilemas do RH se somam aos jurídicos, acrescentando mais uma camada de complexidade, uma vez que não se tem dados consistentes sobre a remuneração praticada para estes profissionais e que existe grande diversidade de formatos para estes contratos.
Alguns pontos de atenção na inclusão do modelo PJ:
- Aplicar a hipersuficiência como linha de corte para a adoção da contratação PJ (normalmente gerentes e acima);
- Evitar modelos de contratação CLT e PJ rodando em paralelo para profissionais de mesma função, nível ou hierarquia;
- Evitar a aplicação das mesmas práticas de gestão de pessoas dos CLTs para os PJs, tais como: treinamentos, avaliação de desempenho, políticas de “progressão salarial”, “promoção” ou “incentivos” sob as mesmas regras e condições que as políticas CLT; ou ser incluído no pacote de benefícios corporativos;
- Diferenciar as nomenclaturas dos cargos;
- Governança e compliance: documentação robusta, com contratos bem estruturados, cláusulas claras, limites de atuação e políticas específicas.
Os impactos decorrentes desse movimento são ainda desconhecidos. Mas vale o alerta para que as empresas se organizem adequadamente, trazendo assessoria Jurídica e de Remuneração para dar sustentação a essa transição ainda tão cheia de incertezas.