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Naquela época, eu era uma ignorante.

Só porque o artigo tinha sido escrito por uma jornalista admirável, não questionei, não pesquisei, não duvidei. Tomei como verdade aquelas palavras milimetricamente cadenciadas.

“É dura a vida dos que vivem perto de um inquieto.” Foi assim que Danuza Leão se referiu a nós.

É claro que, se você buscar o significado da palavra “inquieto”, vai encontrar algo como: alguém atormentado, perturbado, incapaz de relaxar. Se fosse para um cão, talvez eu aceitasse.

Enquanto arrumava minha caixa retangular, forrada com tecido florido, cheirando a mofo com um leve toque de baunilha, encontrei cartas das minhas primas cariocas e das amigas do camping, álbuns da Fotótica — da época em que esperávamos dias pelas fotos reveladas, bilhetes do meu irmão Fernando (ele escrevia lindamente) e, por fim, recortes de jornais e revistas da era das cavernas. Foi ali que redescobri o artigo “A Paz dos Inquietos”, publicado na Folha de S. Paulo, em 2007.

No ano em que foi lançado o primeiro iPhone, o meu único objetivo na vida era trabalhar. Tudo relacionado ao trabalho me trazia uma satisfação indescritível. O resto era secundário. E eu era bem feliz sendo assim. O problema é que quando você tem ultra foco em algo, esquece de olhar para as coisas básicas da vida. Hoje, consigo compreender que talvez a própria Danuza estivesse tentando se justificar. Mas para quem? Ela mesma? Família? Sociedade?

Longe de mim desmerecer Danuza. Mas o tempo passou, e eu mudei. Por vezes lembrava de alguns trechos do artigo para que pudesse “voltar ao trilho” e tentar caber dentro do que era esperado.

Durante uma reunião com profissionais americanos C-Level, um deles se referiu a mim como “acquired taste”. Que no bom e velho português é uma pessoa intensa ou fora do padrão, mas, com o tempo, você aprende a gostar dela.

Hoje, percebo que jamais teria aceitado o rótulo de “os inquietos não sabem viver sem uma complicação, e a luta para eles é sempre melhor que a vitória” (trecho do artigo), se tivesse as ferramentas certas.

“Pássaros criados em gaiola acreditam que voar é uma doença.”

Alejandro Jodorowsky

O que alguns chamam de inquietude, eu chamo de sensibilidade afiada.

De intuição em estado bruto. De urgência criativa.

O inquieto não se deixa paralisar pelo medo do novo.

Têm mais fé nas histórias do que nas estatísticas.

Sabem, sim, viver o presente — só que em movimento.

A inquietude, hoje, virou qualidade no campo da inovação e da liderança.

O inquieto sente tudo. Às vezes, trava. Mas não para.

O inquieto é curioso. Valoriza a pergunta certa mais do que a resposta fácil.

O inquieto prefere a amplitude à limitação.

O inquieto compartilha suas descobertas com empolgação.

Transforma aflição em intenção. Intenção em ação.

Afinal, ser inquieto é saber transformar o que, para muitos, seria um defeito na sua maior força. E, caso você não concorde com nada do que escrevi, ótimo. Pegue um papel, de preferência com linhas, e uma caneta, e comece a escrever a sua própria versão.

“As pessoas têm medo das mudanças. Eu tenho medo de que as coisas nunca mudem.”

Chico Buarque

Aos inquietos, que passaram uma vida sendo chamados de ansiosos, estude (principalmente filosofia). Não é ansiedade — é desejo de viver com intensidade.

Luciana Rodrigues é conselheira do board da Junior Achievement, membro do conselho da Iniciativa Empresarial pela Igualdade e do comitê estratégico de presidentes da Amcham. Também é aluna de pós-graduação em neurociências e comportamento.

Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião de Forbes Brasil e de seus editores.