Os indígenas representam 1% dos trabalhadores nas maiores empresas do Brasil, segundo levantamento do Instituto Ethos. Na liderança, esse número cai para 0,1% (apenas em níveis de supervisão e gerência).
Os dados, de 2017, serão atualizados este ano, mas o cenário continua semelhante. Restrita ao mercado de trabalho informal, essa população ainda está longe de galgar posições de destaque em grandes companhias.
Tem a menor taxa de participação no mercado, a segunda maior de desemprego e o nível mais elevado de profissionais em postos informais, de acordo com a PNAD Contínua em 2022. “Os números revelam desafios históricos, estruturais, sistêmicos, institucionais e culturais que se intensificaram após a pandemia da Covid-19”, afirma Scarlett Rodrigues, coordenadora do Instituto Ethos.
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Na contramão das estatísticas, Ellen Acioli é executiva de um banco de desenvolvimento que atua na América Latina e no Caribe. Nascida e criada em uma comunidade no interior do Pará, mudou-se com a família para a cidade ainda pequena. Só saiu da Amazônia pela primeira vez aos 20 anos para fazer faculdade. “Queria conhecer outros mundos”, lembra.
Formada em ciências biológicas em Goiânia e com especialização em sustentabilidade e mudanças climáticas, foi trabalhar em uma mineradora. “Fui ingênua, propus muitas coisas e achei que poderia mudar o mundo”, lembra. Ellen queria mesmo trabalhar em uma ONG, mas todas as vagas pediam conhecimento em inglês, que ela não tinha. “Fiz um planejamento de um ano para fazer um intercâmbio na Austrália. A forma como eu construí minha carreira se deve em parte ao inglês.”
Autodeclaração
Como muitos indígenas que saíram do contexto das aldeias e comunidades, ela não se autodeclarava como tal. Para Luana Génot, fundadora e CEO do ID_BR (Instituto Identidades do Brasil), o primeiro passo que as empresas precisam tomar para incluir essa população é incentivar a autodeclaração e fazer o mapeamento dos seus funcionários. “Existe todo um trabalho de letramento a ser feito para que as pessoas consigam se autodeclarar porque é possível que o número esteja subnotificado.”
Os entraves para a autodeclaração de pessoas de origem indígena se devem à estereotipação desse grupo. “Indígenas não são apenas as pessoas aldeadas, que representam quase 1% da população, segundo o IBGE. Muitos vieram para as cidades e não se autodeclaram por preconceito”, explica Luana.
No caso de Ellen, ela só resgatou suas origens ao se rodear de outras mulheres indígenas. “Faço pinturas e uso cocar apenas quando estou entre as minhas ou em algum evento”, diz. Ela critica a forma como muitas organizações utilizam a imagem de grupos minorizados para demonstrar apoio a determinadas pautas de forma s uperficial.
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Turnover de pessoas indígenas
Apesar da relevância que a agenda ESG (sigla para compromissos ambientais, sociais e de governança) tem ganhado mundo afora, a executiva tem ressalvas. “Existe uma expectativa de que ONGs, empresas e conselhos sejam mais diversos, mas é mais para cumprir a cota ou ser bem visto no mercado do que de fato para promover a inclusão e diversidade”, afirma. “Tenho amigos que estavam no mundo corporativo, mas não aguentaram e saíram. Porque quando a diversidade chega, é desconfortável.”
Empresas que têm de fato esse compromisso precisam trabalhar não apenas a atração desses talentos, mas também a inclusão e retenção. “Precisa haver um esforço maior para encontrar esses profissionais e uma revisão dos critérios de seleção e recepção dos talentos”, afirma Ellen, citando o conhecimento do inglês, por exemplo, uma das barreiras de entrada para profissionais de diferentes contextos.
Mas uma vez que esses profissionais acessam o ambiente corporativo devem ser vistos no seu potencial. “A população indígena quer ser enxergada e tem muito com o que contribuir”, diz a executiva.
A educação é, sim, uma barreira de acesso a melhores oportunidades para essa população, que muitas vezes pode trazer outros conhecimentos. “Qualquer empresa que está tentando fazer um projeto sério de sustentabilidade, deveria minimamente ter uma pessoa indígena no seu conselho, por exemplo”, diz Luana Génot.
Apesar disso, não há indígenas nos conselhos das grandes empresas. Ellen acaba de se formar pelo Conselheira 101, programa que incentiva a diversidade de gênero e étnico-racial nos comitês e conselhos consultivos e de administração das companhias brasileiras. “O projeto começou com mulheres negras e no ano passado, entendemos que não dá para abordar as questões de gênero e raça sem incluir as mulheres indígenas”, diz Jandaraci Araújo, uma das fundadoras do programa, que está com as inscrições abertas para a sua quinta turma. “Não cabe mais o discurso de que as mulheres negras e indígenas não podem ocupar esses espaços ou, o que é mais grave, que elas não existem no mercado”, afirma Jandaraci.
A importância das ações afirmativas
Estudos mostram que a diversidade vai além do compromisso social e traz benefícios financeiros para as empresas, fomentando a inovação. Cada vez mais comuns no mercado, as vagas e programas afirmativos têm como objetivo corrigir a ausência de determinados grupos e ser intencional na busca por talentos diversos.
O ID_BR foi um dos parceiros do Magazine Luiza, pioneiro ao lançar um programa de trainee com foco em pessoas pretas. “Além da educação, é preciso dar oportunidade a quem quer acessar o mercado de trabalho formal”, afirma a fundadora do instituto, Luana Génot.
Para isso, também é necessário permitir o acesso à escolarização formal e a possibilidade de permanência nas cidades, fortalecendo as instituições e políticas públicas. “O preconceito, o estereótipo, a falta de acesso às políticas públicas e a não garantia de direitos básicos, como a educação de qualidade, contribuem para a baixa presença de indígenas no mercado de trabalho formal e também para a manutenção das violências e do estado de vulnerabilidade”, afirma Scarlett, do Instituto Ethos. “O trabalho é um dos pilares centrais na sociedade e, a partir dele, conseguimos alcançar outros direitos.”