Neurociência da vida cotidiana (14): Percepção de tempo 

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José Aparecido Da Silva* 

Muitas vezes nos perguntamos quanto tempo o tempo tem. Do mesmo modo, também nos perguntamos como nossa percepção do tempo pode ser mensurada, perturbada e enriquecida. É também comum as pessoas perguntarem como as desordens psicológicas, mentais e cognitivas, como esquizofrenia, ansiedade e depressão, além de insônia e medo, entre outros, podem perturbar os nossos julgamentos temporais. Por adição, como nossas emoções afetam os nossos julgamentos da duração temporal? Nossa relação com o tempo difere de uma pessoa para outra? De acordo com Simon Grondin, em seu “The perception of time: your questions answers” (2020), na retrospectiva, os participantes não conhecem, a priori (previamente), que eles terão de estimar a duração de um evento ou de uma atividade qualquer. Na prospectiva, quando os julgamentos se referem às condições onde os participantes são informados previamente por um experimentador que o tempo, a duração de um intervalo definido de algum modo, deverá ser estimada. Nos julgamentos retrospectivos, os intervalos a serem julgados serão longos enquanto que, nas condições de julgamentos prospectivos, os intervalos serão curtos, variando de milissegundos a poucos segundos.  

È difícil fornecer uma simples resposta para a questão sobre quais partes do cérebro estão, de fato, envolvidas no processamento de informação temporal. A razão é muito simples, há imenso progresso tecnológico realizado nos últimos trinta anos, particularmente originados no campo das neurociências, que tem buscado as conexões entre certas funções e as localizações de lesões cerebrais para detectar as estruturas cerebrais envolvidas nessas funções temporais. Uma das primeiras técnicas que serviu de uso para analisar o processamento de informação temporal e as bases cerebrais da percepção de tempo foi a eletroencefalografia (EEG). Também, as técnicas da magnetoencefalografia (MEG), que permitem mensurar a atividade magnética, e a contribuição das técnicas de imageamento, como, por exemplo, a tomografia por emissão de pósitron (EEP) ou a ressonância magnética funcional (fMRI), que permite observar mudanças metabólicas dentro do cérebro. 

Dada a contribuição de numerosas estruturas cerebrais, principalmente aquelas se baseando na técnica de ressonância magnética funcional (fMRI), torna-se apropriado adotar a hipótese que consiste em supor um mecanismo que inclui uma divisão das responsabilidades em dois níveis: um recebendo contribuições de alguma estrutura cerebral, como, por exemplo, de uma rede neural básica, e outra, que receberia uma contribuição de uma estrutura necessária em contextos específicos, como, por exemplo, a implicação de um local de atividade específica para uma certa modalidade sensorial. Baseados na ressonância magnética funcional (fMRI), outros estudos também revelam que o processamento de informação temporal requer a contribuição de várias estruturas subcorticais. De fato, estruturas subcorticais têm papel crucial na explicação do processamento de informação temporal quando os intervalos a serem julgados são menores que 1 segundo e mesmo para intervalos maiores que 1segundo. Na mesma direção, há estudos indicando que o cerebelo pode estar envolvido no processamento de longos intervalos, especialmente, naqueles durando de 12 a 14 segundos. 

As principais áreas envolvidas na percepção de tempo e na temporalidade podem ser a área motora suplementar e o córtex frontal e parietal, bem como, as principais estruturas subcorticais como, por exemplo, núcleos da base. Mas o cerebelo tem um papel computacional em várias tarefas requerendo processamento de informação temporal. Bem, quanto tempo o tempo tem? Millon e colaboradores, (The Feeling of Time Passing Is Associated with Recurrent Sustained Activity and Theta Rhythms Across the Cortex. Brain Connect.2024), realizaram um estudo em que seus observadores estimaram subjetivamente o tempo através da tarefa de bissecção temporal, enquanto registraram a atividade cerebral a partir da eletroencefalografia (EEG). Seus nove participantes adultos foram treinados para distinguir entre duas durações de estímulos visuais como “curto” (400 mseg) ou “longo” (1600 mseg). Eles foram então apresentados às durações dos estímulos entre os estímulos longos e curtos. Os dados de EEG de 128 eletrodos foram examinados com um novo método analítico que identifica segmentos de atividade cortical sustentada durante a tarefa. Os participantes tenderam a categorizar as durações intermédias como “longas” com mais frequência do que “curtas” e, portanto, sentiram que o tempo se movia mais rapidamente, ao mesmo tempo que sobrestimavam a quantidade de tempo que passava. Seu ponto médio de bissecção (durante o qual a frequência de seleção de curto versus longo é igual) ficou mais próximo da média geométrica dos estímulos da tarefa (800 mseg) do que da média aritmética (1000 mseg). Em contraste, a atividade cerebral sustentada ocorreu mais perto da média aritmética. A taxa de recorrência desta atividade foi altamente relacionada ao ponto de bissecção, especialmente quando analisada dentro de oscilações teta que ocorrem naturalmente (4–8 Hz) (r = −0,90). 

Considerando todos os resultados, Millon e equipe sugeriram que a atividade sustentada através do córtex dentro da faixa teta pode refletir durações temporais, enquanto seu aparecimento repetido está relacionado à sensação subjetiva da passagem do tempo; os dados permitiram identificar atividade cortical sustentada e recorrente enquanto avaliamos a quantidade de tempo que passa. Concluíram: essas descobertas melhoram nossa compreensão dos processos neurais que usamos para calcular e estimar quanto tempo sentimos que passou. 

Professor Visitante da UnB-DF* 

 





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