Renda fixa isenta ameaçada? Conheça as novas debêntures de infraestrutura e saiba se elas podem ‘matar’ as debêntures incentivadas

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O ano de 2024 já começou com novidade no mercado de renda fixa. Recentemente, o presidente Lula sancionou, sem vetos, a Lei 14.801/24, que cria as debêntures de infraestrutura, um novo título de dívida com incentivos tributários.

Se você estiver com uma sensação de déjà vu, se perguntando se esse tipo de investimento já não existia, explico: sim, o mercado de renda fixa já contava com as chamadas debêntures incentivadas, criadas em 2011 pela Lei 12.431.

Elas são isentas de imposto de renda para as pessoas físicas, seja no investimento direto, seja na aplicação via fundos que mantenham pelo menos 85% da carteira nesse tipo de papel – os fundos de debêntures incentivadas e os FI-Infra.

Tanto as debêntures incentivadas quanto as novas debêntures de infraestrutura são títulos de dívida que podem ser emitidos por empresas para financiar projetos de infraestrutura, setor econômico que o governo deseja estimular. Para tanto, ambos os instrumentos contam com benefícios tributários, porém de naturezas diferentes.

Quais as diferenças entre as debêntures de infraestrutura e as debêntures incentivadas?

Nas já conhecidas debêntures incentivadas, os rendimentos são isentos de imposto de renda para o investidor pessoa física, motivo pelo qual esses papéis e os fundos que neles investem vêm caindo tanto no gosto do investidor de varejo.

As emissões têm crescido ano a ano, tendo alcançado a marca de R$ 67,7 bilhões no ano passado, um crescimento de 66% ante o ano anterior e de 183% em relação a 2018.

Devido à isenção, as debêntures incentivadas também permitem que o emissor pague juros menores do que precisaria pagar se a aplicação fosse tributada, mas ainda assim o retorno para o investidor costuma ser maior do que o retorno líquido de debêntures não incentivadas equivalentes em prazo e nível de risco.

Assim, de certa forma, há também um benefício indireto para a empresa que emite os papéis, na forma de um custo menor da dívida. Em outras palavras, o incentivo tributário é dividido entre emissor e investidor.

Já as novas debêntures de infraestrutura não terão isenção de imposto de renda para nenhuma classe de investidor; elas serão tributadas na fonte como qualquer outra aplicação de renda fixa não isenta, pela seguinte tabela regressiva do IR:

Prazo do investimento Alíquota
Até 180 dias (cerca de 6 meses) 22,5%
Entre 181 e 360 dias (de 6 meses a 1 ano) 20,0%
Entre 361 e 720 dias (de 1 a 2 anos) 17,5%
Acima de 721 dias (Mais de 2 anos) 15,0%
Obs.: No caso das debêntures de infraestrutura, investidores estrangeiros pagam 15% de IR independentemente do prazo; já os investidores estrangeiros residentes em países com tributação favorecida (paraísos fiscais) pagam 25% de IR, independentemente do prazo.

O incentivo tributário, nesse novo tipo de aplicação, é voltado exclusivamente para a empresa emissora. Ela poderá deduzir o valor dos juros pagos ou incorridos na apuração do lucro líquido; e deduzir 30% dos juros pagos pelas debêntures em cada período das bases de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e do imposto de renda.

Por consequência, os rendimentos pagos por essas novas debêntures deverão ser mais mais altos em comparação aos juros das incentivadas, resultando num custo maior de dívida para os emissores.

O foco do novo produto, portanto, não é o investidor pessoa física, mas um tipo de investidor que hoje não considera atraentes os juros pagos pelas debêntures incentivadas, até porque não consegue aproveitar a isenção de imposto de renda.

Estamos falando dos grandes investidores institucionais, como fundos de pensão, seguradoras, fundos de crédito privado, entre outros. Para eles, a prioridade é conseguir entregar um bom retorno ao cotista, então a demanda é por títulos mais rentáveis.

A ideia do governo é que os dois tipos de investimento coexistam no mercado. De um lado, as debêntures incentivadas, mais voltadas para o investidor pessoa física; de outro, as debêntures de infraestrutura, mais voltadas para os grandes investidores institucionais.

Mas, se o emissor tem vantagens financeiras na emissão de ambas, será que ele não vai preferir emitir debêntures de infraestrutura, uma vez que elas atraem investidores com muito mais grana?

E se assim for, a nova debênture não pode acabar “matando” as incentivadas ou fazendo com que reste, para as pessoas físicas, apenas títulos dos piores emissores, aqueles de maior risco?

É o fim da linha para as debêntures incentivadas?

Para Odilon Costa, head de renda fixa da assessoria de investimentos SWM, pode parecer à primeira vista que as debêntures de infraestrutura seriam mais vantajosas para as empresas emissoras do que as incentivadas, mas a coisa não é tão simples assim.

Em primeiro lugar, os emissores teriam que fazer as contas, porque embora as debêntures de infraestrutura permitam deduções tributárias, elas também submetem as empresas a custos financeiros maiores.

Além disso, projetos de infraestrutura têm prazos longos e em geral só começam a dar lucro anos após terem sido iniciados, que é quando finalmente o emissor consegue começar a aproveitar o benefício tributário. Até lá, ele passou anos pagando juros mais elevados do que se tivesse emitido uma debênture incentivada.

“Essa conta não é tão trivial. Um projeto de transmissão de energia elétrica, por exemplo, só começa a dar lucro dentro de quatro ou cinco anos. Então a empresa vai ter um custo de dívida maior no início, e o benefício só vai vir lá na frente. Se ela emitir debêntures incentivadas, já aproveita desde o início uma dívida com custo menor”, explica Costa.

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O mesmo ponto é levantado por Ulisses Nehmi, sócio da Sparta, gestora especializada em renda fixa. Para o gestor, ainda é cedo para concluir algo, mas ele acha “improvável que uma mate a outra. Elas foram feitas para coexistir.”

Outra questão é a demanda. As pessoas físicas provavelmente não se interessariam muito pelo novo título, pela ausência de isenção de IR; já os fundos de debêntures incentivadas (inclusive os FI-Infra) até podem adquirir debêntures de infraestrutura, mas elas seriam tributadas em 10% e ainda comporiam a parcela livre de 15% da carteira. Os demais 85% deverão permanecer alocados em incentivadas.

“Então, não há vedação, mas só deve acontecer se os ativos tiverem uma taxa pra lá de atrativa”, escreveu Nehmi em postagem no seu perfil no LinkedIn recentemente.

Assim, quem poderia de fato se interessar por essas novas debêntures são investidores que hoje não têm tanto costume de comprar esse tipo de ativo, que são justamente os institucionais.

Odilon Costa, no entanto, acredita que a adesão não deve ser imediata, pois há uma “curva de aprendizado” para este público passar a demandar esse tipo de título. Ele lembra que investidores como grandes fundos de pensão normalmente não têm times dedicados a análise de crédito e até terceirizam essa função para gestoras especializadas.

“Pelo menos no curto prazo, esses institucionais não devem comprar massivamente o novo título. A tração para um produto como esse costuma ser gradual”, diz o head de renda fixa da SWM.

Quanto aos fundos de crédito, ele lembra que os maiores representantes desse segmento são os fundos de maior liquidez, com resgates em prazos curtos, que tendem a preferir ativos indexados ao CDI.

Como as debêntures de infraestrutura, assim como as incentivadas, deverão ser atreladas ao IPCA, seus preços terão mais volatilidade no dia a dia, e “esses fundos tendem a evitar esse risco de mercado”, diz Costa.

Para a pessoa física só vão sobrar os ativos de pior qualidade?

Caso as debêntures de infraestrutura se mostrem tão interessantes para os emissores que suas ofertas acabem superando largamente as de incentivadas, Costa e Nehmi lembram também que os preços de mercado dos títulos isentos irão se ajustar à nova realidade.

Mais raras, as debêntures incentivadas se valorizariam até que os preços atingissem um novo ponto de equilíbrio, o que seria vantajoso para quem já investe nesses papéis.

Quanto à possibilidade de apenas ofertas desvantajosas serem destinadas às pessoas físicas, Nehmi lembra que a maior parte das emissões focadas no público geral não são dos projetos ou empresas de maior risco.

De qualquer modo, o mercado de debêntures incentivadas continuaria tendo demanda de investidores de maior volume que as pessoas físicas, os fundos de debêntures incentivadas – embora eles sejam, é verdade, bem menores que os investidores que poderiam se interessar pelas debêntures de infraestrutura.



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