Hoje faz um ano que uma desengonçada tentativa de ruptura da ordem democrática destruiu a sede dos Três Poderes, em Brasília, e assustou a maior parte do brasileiros, mas fracassou em seu objetivo: provocar uma instabilidade social que levasse as Forças Armadas a intervir e, eventualmente, depor o então recém-empossado presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Há quem rejeite o episódio como uma tentativa de golpe. Na definição clássica, talvez não tenha sido. Mas é como aquela situação provavelmente passaria a ser tratada se a insurreição alcançasse sucesso.
O 8 de Janeiro não ocorreu do nada. Derivou, entre outras coisas, das insistentes alegações de Jair Bolsonaro de que o sistema de urnas eletrônicas seria fraudável e haveria uma conspiração para impedir sua reeleição.
Ainda em 30 de outubro, durante a realização do segundo turno das eleições de 2022, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) estabeleceu bloqueios que dificultaram o deslocamento de eleitores em cidades onde Lula foi bem votado no primeiro turno, principalmente na região Nordeste.
O diretor-geral da PRF na ocasião, Silvinei Vasques, foi preso em agosto de 2023 sob a acusação de interferência indevida no processo eleitoral.
De qualquer modo, a ação da PRF não impediu que Lula vencesse Bolsonaro por 50,9% a 49,1%.
A gestação dos atos golpistas
Logo em seguida, caminhoneiros bloquearam estradas e eleitores bolsonaristas armaram acampamentos em frente a quartéis das Forças Armadas.
Sem reconhecer o resultado das urnas, Bolsonaro passou semanas em silêncio e longe dos holofotes enquanto seus apoiadores viravam meme pelo Brasil.
Enquanto uns batiam continência e emendavam correntes de oração por um golpe em frente a quartéis, outros aguardavam 72 horas, seguidas de mais 72 horas, por uma ordem de Bolsonaro que nunca chegaria. Menção honrosa para Júnior Peixoto, imortalizado como o “patriota do caminhão”.
Haveria também casos graves, como a tentativa de invasão da sede da Polícia Federal e da bomba instalada em um caminhão-tanque nas proximidades do aeroporto de Brasília semanas antes da posse de Lula.
Clima na posse de Lula deu falsa impressão de normalidade
Em 1º de janeiro de 2023, o tom festivo da multidão que se reuniu em Brasília para a posse de Lula passou uma falsa impressão de normalidade.
Uma semana depois, milhares de bolsonaristas chegaram em caravana a Brasília e depredaram o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e a sede do Supremo Tribunal Federal (STF) sob o olhar complacente das forças de segurança.
No entanto, uma rápida reação do governo recém-empossado — alinhada com o Congresso, o STF e administrações estaduais — reverteu a situação em poucas horas.
Ainda na noite de 8 de janeiro, Lula, líderes parlamentares de situação e oposição, ministros do STF e governadores revistaram os destroços dos atos de vandalismo.
Os impactos do 8 de janeiro
A desastrada tentativa de golpe tornou-se alvo de repúdio nacional e internacional e esvaziou as ações de desestabilização.
Centenas de pessoas foram presas nas horas seguintes. As mulheres levadas para a Colmeia, os homens para a Papuda.
Um ano depois, oito pessoas foram condenadas a penas de restrição de liberdade e 65 encontram-se em prisão preventiva.
Para marcar a data, o Seu Dinheiro traz a seguir um resumo do que aconteceu com os principais personagens do 8 de Janeiro um ano depois.
Ibaneis Rocha
Governador reeleito do Distrito Federal, Ibaneis Rocha foi afastado do cargo pelo ministro Alexandre de Moraes em 9 de janeiro sob suspeita de omissão. Acabou reconduzido ao cargo em 15 de março, mas é alvo de inquéritos abertos na esteira do 8 de Janeiro.
Flavio Dino
Recém-empossado ministro da Justiça na época, Flavio Dino assumiu o protagonismo na reação do governo aos atos golpistas. Antes do fim de 2023, Dino foi indicado por Lula para uma cadeira no STF. Sua posse está prevista para a segunda quinzena de fevereiro.
Alexandre de Moraes
Relator das ações relativas aos atos golpistas no STF, Alexandre de Moraes vem recebendo críticas de ambos os lados.
Partidários de Bolsonaro o acusam de perseguir politicamente o ex-presidente e seus seguidores. Já os partidários de Lula criticam o que veem como inação do STF em relação aos financiadores e insufladores do 8 de Janeiro.
Numa entrevista recente ao jornal O Globo, Moraes afirmou que golpistas mais radicais pretendiam enforcá-lo em público na Praça dos Três Poderes se tivessem saído vitoriosos.
Lula
A repercussão negativa dos atos golpistas enfraqueceu consideravelmente o bolsonarismo no decorrer do primeiro ano de Lula 3.
De um lado, o amplo acordo político que ajudou a viabilizar sua vitória sobre Bolsonaro em 2022 levou a concessões criticadas por sua base tradicional de apoio, mais à esquerda.
De outro, Lula ganhou força para estabelecer um novo arcabouço fiscal e emplacar uma reforma tributária considerada histórica.
Jair Bolsonaro
Bolsonaro embarcou para os Estados Unidos dois dias antes da posse de Lula. Ele nega que suas falas e atitudes tenham servido de combustível para os atos golpistas.
O ex-presidente foi declarado inelegível em dois processos julgados pelo Tribunal Superior Eleitoral, um em junho e outro em outubro.
No entanto, nenhuma das ações têm a ver com os atos golpistas em si, mas com abuso de poder político durante a campanha para as eleições de 2022.