André Luiz da Silva *
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Ah, meu caro leitor, eis que 2023 se despede, deixando-nos uma colcha de retalhos de acontecimentos pitorescos e, digamos, um tanto inusitados. Comecemos com a passagem de faixa presidencial digna de um enredo de novela. Lula, rodeado por oito representantes da diversidade brasileira, desfila sua elegância política, enquanto Bolsonaro teima em questionar o resultado da eleição e se nega a democraticamente passar a faixa presidencial. Dizem que a solução foi sugerida por Janja, a primeira-dama criativa, que pensou até na presença da cadela Resistência, pois como dizia o ex-ministro do Trabalho e da Previdência, Antônio Rogério Magri: “Cachorra é um ser humano como qualquer outro”.
Tudo estava lindo e maravilhoso, no entanto, o que é a política sem seus dramas? Em 8 janeiro, tivemos a invasão tripla, com Planalto, Congresso e Supremo sendo palcos de vandalismo em uma tentativa frustrada de ruptura democrática. A Praça dos Três Poderes, cenário de protestos democráticos históricos, se viu tomada por extremistas com gritos de ordem antidemocráticos e anticonstitucionais. Após um domingo de tiro, porrada e bombas, centenas de pessoas passaram a experimentar uma pequena parte da triste realidade do combalido sistema penitenciário brasileiro.
Em discurso veemente, a discreta presidente do STF, Rosa Weber enfatizou: “Não destruíram o espírito da democracia. Não foram e jamais serão capazes de subvertê-lo”. A ex-ministra batizou o evento como o “dia da infâmia”, mas eu diria que foi o dia em que a política brasileira virou roteiro de filme de ação, a democracia balançou, mas não caiu.
E falando em ação, o mundo não ficou para trás. O Oriente Médio testemunhou os atos terroristas promovidos pelo Hamas ao disparar milhares de foguetes de Gaza em direção a Israel e iniciar ataques por terra capturando vários reféns. A desproporcional resposta israelense que até hoje continua massacrando o povo palestino, mostra que, paixões e ideologia à parte, ambos os lados estão errados. O pior é que amanhã mais essa página sangrenta da história pode cair na rotina como a guerra entre Rússia e Ucrania, o conflito Azerbaijão x Armênia em Nagorno-Karabakh, a Guerra da Síria, a Guerra civil no Iêmen e os diversos conflitos entre povos e nações.
De volta ao Brasil, algumas boas notícias surgiram entre as nuvens de incerteza. Os preços dos alimentos caíram, a fome e o desemprego deram uma trégua, e o desmatamento foi alvo de combate mais enérgico. Mas, claro, nem tudo são flores na terra tupiniquim. A “Lista Suja” do trabalho escravo cresceu, denúncias de discriminação e racismo pipocaram, os crimes de ódio e feminicídios continuam estampando as manchetes, e o Congresso virou palco de uma comédia que faria até os antigos romanos se contorcerem de rir. Mas, na verdade, é lamentável constatar que muitas matérias importantes poderiam ter sido aprovadas e os debates qualificados com defesa de pontos de vista divergentes perderam espaço para a pantomima e a busca de lacração nas redes sociais.
Mas como todo brasileiro sabe, virada de ano é tempo de renovar esperanças. As eleições municipais trazem consigo a promessa de um novo olhar para nossas cidades e especialmente para as populações mais carentes. E enquanto assistimos ao Especial do Roberto Carlos, às retrospectivas jornalísticas, enchemos nossos amigos com postagens de mensagens coloridas e entoamos nossos cânticos tradicionais, somos novamente convidados a experimentar aquela receita de Carlos Drummond de Andrade para o Ano Novo. Nada de listas perdidas na gaveta, apenas a esperança de que, como o ano será bissexto, com um dia a mais em 2024, possamos errar um pouquinho menos e abraçar a felicidade com mais entusiasmo. Que assim seja, com consciência, bom humor e esperança renovada. Desejo a todos um feliz ano novo com paz, saúde, prosperidade e tudo de melhor em suas vidas.