Lá vem o sol  – Jornal Tribuna Ribeirão

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Luiz Paulo Tupynambá

Jornalista e Fotógrafo de Rua 

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Here comes the sun / Here comes the sun, and I say, / It´s all right / 

Little darlin’, it’s been a long, cold, lonely winter / Little darlin’, it feels like years since it’s been here. 

Lá vem o sol /Lá vem o sol, e eu digo: / Está tudo bem / 

Querida, tem sido um inverno longo, frio e solitário / Querida, parece que faz anos desde que ele esteve aqui. 

 

A composição de George Harrison, membro dos ‘The Beatles’, feita em 1969, gravada e lançada no mesmo ano no álbum ‘Abbey Road’, é uma das canções mais simples gravadas pela banda de Liverpool, ao mesmo tempo que é um dos seus grandes sucessos. Toda canção com essas características tem sua própria lenda ou história, como queiram. Segundo o autor, ela foi inspirada numa madrugada de verão, durante uma ‘jam session’ de violão e guitarra na mansão inglesa de Eric Clapton. George estava saindo de um longo período de tristeza e insatisfação pessoal e a chegada da luz do sol trouxe uma sensação de renovação para sua vida. Outra curiosidade é que, dos outros três Beatles, apenas dois participaram da gravação: Paul McCartney e Ringo Starr. John Lennon, na época, estava se recuperando de um acidente automobilístico. 

A simplicidade dessa canção mostra outra faceta do músico inglês, que conheceu o hinduísmo em 1965 e se converteu em 1968. Ela é um mantra que reafirma a renovação da vida no universo assim que a luz e o calor do sol chegam. A luz simboliza o esclarecimento pela iluminação do intelecto e do espírito através do autoconhecimento, espantando a escuridão da ignorância. O calor representa a aproximação entre as pessoas seja pelo amor, pela bondade, pela fraternidade ou pela caridade. 

George Harrison ainda compôs outro grande sucesso, que ajudou a difundir no mundo todo a seita Hare Krishna, que é parte da doutrina hinduísta chamada ‘Vashnada’, que são os fiéis a Krishna ou Vishnu, as duas principais divindades da religião. É a canção ‘My Sweet Lord’. Um verdadeiro mantra de adoração às três partes que compõem a divindade máxima. Hare, o lado feminino, a mãe. Krishna, o aspecto masculino, o todo-atraente. E Rama, que é a fonte do prazer. Ou seja, Deus reconhecido como pleno em bondade, tudo aquilo possa ser desejado e a pessoa mais amorosa e amável. Hare Krishna também pode ser um mantra para atingir a auto-realização, a plenitude do ser espiritual. George, na primeira parte de sua vida, recebeu uma educação cristã e reconhece isso quando acrescenta a palavra hebraica ‘hallelujah’, Louvai ao Senhor, na letra da canção, mostrando a universalidade de Deus. 

 

Mas por que escrevo isso para falar sobre o final de 2023 e a chegada de 2024? Cadê a lembrança das tragédias, das guerras, desastres e patuscadas políticas do ano que finda? E onde estão as predições, os ‘eu acho que’, as promessas pessoais para o ano que está chegando? Nenhuma execração inegociável para líderes políticos ou seus comparsas? Nenhuma condenação eterna para esse ou aquele que se vendeu aos demônios em pensamentos, palavras, obras e desejos? Nenhum pitaco sobre economia, nada de ‘me parece que’ sobre a nova economia, neca de ‘o que vem por aí no ano que vem, meu bem’? 

Não, não farei revisões e previsões. Também não farei promessas vãs sobre mudanças de atitudes ou hábitos pessoais, pois me conheço bem após sessenta e seis anos de vida. Acho de pouco bom tom sair por aí alardeando que ‘ano que vem paro de comer chocolate’, ‘em 2024 vou perder dez quilos’ ou ‘nesse ano darei um jeito de parar de fumar’. Por que não tomar essas atitudes, que ajudam a própria saúde e a convivência social, sem precisar sair por aí anunciando o que vai fazer ou não? Precisa de plateia para dizer que você vai se cuidar mais? Melhor estabelecer essas metas apenas para você, assim não corre o risco de ter gente patrulhando sua vida pessoal ou a frustração de ter que admitir em público que fracassou, caso você não cumpra o prometido. 

No decorrer da minha vida, e agora já esterçando o barco para sua reta final, reconheço que perdi muito da fé, que já tive em alto valor, na bondade da alma humana. Hoje vejo que nela ainda habitam a ganância, o rancor, a inveja, o desprezo pelo outro e o ódio preconceituoso, assim como era em tempos imemoriais. Evoluimos quase nada. Poucos são os líderes iluminados pelo conhecimento, pela sabedoria, pela solidariedade e pela compaixão. E eles são cada vez mais raros, seja na política, na religião, na ciência, na educação. Sou cético quanto a evolução da espécie dentro de um mundo materialista e tecnológico, direcionado para a satisfação individual ‘meritória’ em detrimento do atendimento das necessidades básicas de povos inteiros.  

Na Índia são comemorados três anos novos: em 1º de março, no sul do país; em 1º de outubro, no leste e no centro e no dia 14 de abril, na comunidade tâmil. Em comum as datas marcam um ritual de purificação do corpo e da alma, sempre com muita alegria, fogos e luzes. 

Como diz a canção, o lado ‘naif’ da minha alma ainda espera o sol da renovação. Oxalá ele chegue, mesmo que seja depois de muito, muito tempo. 

Mas para não ficar com fama de sisudo e rancoroso, desejo um feliz Ano Novo para todos os leitores e suas famílias. Desejo este que estendo aos editores e funcionários do Tribuna Ribeirão, por me proporcionar a oportunidade de publicar quarenta textos durante o ano de 2023. Obrigado a todos. Ano que vem tem mais. 



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