Na paz e na guerra 

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Luiz Paulo Tupynambá * 
tupyweb@gmail.com 
 
Gaza 
Felizmente a razão sobrepujou a convicção parva, que mistura interpretação distorcida da religião com um patriotismo regado a interesses econômicos e corporativos. Nesta guerra particularmente feroz entre duas pequenas nações, Israel e Hamas confirmaram pequenas tréguas no combate para troca de reféns e prisioneiros, além de permitir que alguma ajuda, mesmo pouca e controlada, chegue à população sitiada em Gaza. Espero que a trégua se prolongue e chegue a algum tipo de armistício, porque paz duradoura para aquela região parece mesmo ser algo distante e, talvez, inatingível. 
 
Kissinger 
Faleceu nesta semana um dos personagens mais influentes da geopolítica do século XX. Heinz Alfred Kissinger nasceu em Fürth, pequena cidade ao lado de Nuremberg, na Alemanha. Sua família, judaica, emigrou para os Estados Unidos em 1938, fugindo da perseguição nazista. Já com o nome modificado para Henry Alfred, o jovem Kissinger serviu no Exército em 1943, como Sargento da Contra-Inteligência. Estudou Economia em Harvard, formando-se em 1950.  
 
Chegou ao Doutorado em Relações Internacionais em 1954. Destacou-se no meio universitário e exerceu vários cargos em Harvard. Envolveu-se na política nacional, pelo Partido Republicano, primeiro como conselheiro dos Secretários de Estado. Em 1967, convidado por Richard Nixon, assumiu a Secretaria de Estado, permanecendo no cargo ainda no segundo governo. Com o “impeachment” de Nixon, em 1973, Gerald Ford, então vice-presidente, assumiu o cargo máximo e manteve Kissinger, onde ele ficou até 1977. Mesmo depois disso, Kissinger continuou muito influente nos governos republicanos que vieram após. 
 
Kissinger era um expoente da “Realpolitik”, ou Realismo. Basicamente o Realismo é a maneira de se conseguir o equilíbrio entre o Poder e o Conflito, num mundo em que indivíduos criam Estados baseados em seus interesses políticos, religiosos, culturais e econômicos. Segundo o Realismo a espécie humana é egoísta, predatória e propensa à conquista. Assim, o Realismo busca o equilíbrio entre poderosos e seus aliados em face de outro ou outros grupos aliados entre si. O ideal é o equilíbrio conseguido pela diplomacia, estabilizando o sistema geopolítico, pois um conflito constante pode levar a situações extremas que chegariam à extinção da espécie, num cenário de nações diferentes detentoras de armas nucleares capazes de destruir o planeta centenas de vezes. 
 
Como diplomata era extremamente habilidoso. Evitou a confrontação direta com a então URSS. Sob Nixon, em 1971, foi assinado o primeiro Acordo Salt, que limitou o número de mísseis balísticos de longo alcance, acordo histórico entre as duas superpotências da época, que iniciou a política de “détente”, distensão. 
 
Foi protagonista de outros eventos, como a volta da diplomacia entre Estados Unidos e a China, promovendo um inusitado encontro entre Nixon e Mao, em 1972. Chefiou o processo de paz com o Vietnã, firmando o acordo de Paris, em 1973, que cessou as hostilidades e forçou a retirada das tropas estadunidenses. Por esse acordo ele e o primeiro-ministro vietnamita Le Duc Tho receberam o Nobel da Paz. O vietnamita recusou o prêmio.  
 
De formação fortemente influenciada pelo anticomunismo da guerra fria, sempre guiou os Estados Unidos nesse sentido. Apoiou abertamente as ditaduras militares, desde que reprimissem sem dó os chamados “grupos revolucionários”, no mundo todo. Em Bangladesh apoiou os massacres feitos pelo Paquistão contra a população local, durante a Guerra de Libertação daquele país. Financiou Jonas Savimbi, da Unita, em Angola, que confrontou o Movimento Popular de Libertação de Angola, criando uma guerra civil no país recém libertado de Portugal. Fez vista grossa à política de “apartheid” na África do Sul. Apoiou as ditaduras militares de direita na América Latina na década de 70. A derrubada e assassinato de Pinochet. O golpe militar sangrento no Uruguai.  
 
A criação da Operação Condor, na Argentina, com suas torturas, assassinatos e desaparições. A permanência da ditadura no Brasil por muitos anos, com os seus métodos de sequestro, tortura e assassinato, os mesmos que foram utilizados nas Filipinas da ditadura Marcos. Sob o seu comando e cobertura, os governos estadunidenses financiaram e apoiaram todo e qualquer grupo econômico e militar que se declarasse anticomunista e que precisasse de ajuda militar e financeira para combater um “movimento subversivo”. Foi a época da doutrina da “Combate à Guerra Revolucionária”, fantasma criado para justificar os desmandos e injustiças praticadas à época. Foi a época de ouro da CIA, grana e armas não faltavam. Se era para exterminar “comunistas”, tudo podia e a CIA bancava. 
 
Dizem que pessoalmente era um homem simpático e de conversa agradável. Adorava futebol, era amigo de Pelé e fã da Seleção Brasileira. 
 
Como se vê, Kissinger foi um personagem muito importante na geopolítica pós Segunda Guerra Mundial. Importante para uns, apoiador de assassinos para outros. Uma moeda com duas faces, com a pomba da paz em um lado e a adaga do diabo na outra. Sob essa influência, o mundo de hoje tem criado um novo Realismo, o Realismo Fantasioso, gerado pelas mentes que andam a rosnar pelas redes sociais, mimetizando o maniqueísmo dos parvos adeptos do cara ou coroa, com apenas uma face nos dois lados. Pomba ou Adaga? Escolha a sua. 
 
* Jornalista e fotógrafo de rua 

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