Edwaldo Arantes *
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Minha mãe, Maria Arantes, foi uma das mulheres mais avançadas do seu tempo.
Nascida em 1920, exerceu o magistério com vocação, glória e júbilo por cerca 65 anos, iniciando muito novinha, normalista e lecionando em escola rural, bem típico daqueles tempos.
Ainda muito nova, se viu sozinha com três crianças para criar, foi em frente na vida com força, coragem e fé. Sempre estabelecendo em alto e bom som suas convicções e posições firmes contra todo tipo de preconceito.
Exerceu uma luta diária contra a opressão e o autoritarismo, vivendo em uma época em que a mulher era considerada, “cidadão de segunda classe”, todos os direitos reservados ao homem, vigorando ditos esdrúxulos e machistas, como: “O homem é a cabeça do casal”, “a cama é o descanso do guerreiro”, “ele é o Chefe da casa” e outras citações grotescas e absurdas. Graças aos Céus na nossa casa ela era mãe e pai, mulher e homem do lar e dos nossos desígnios.
Nossa mãe foi uma verdadeira guerreira, efetivamente uma mulher que deixou profundas marcas, participou de inúmeras batalhas, venceu algumas, outras perdeu, até medo sentiu, porém, abandonar o “front” jamais.
Existem cenas inesquecíveis do nosso convívio, lotado de aprendizagens, experiências e um companheirismo ímpar. Com toda a certeza o que muito nos marcou foi seu amor aos livros, fazendo deles nossos mais importantes presentes, seguindo um eterno ritual:
O Representante Comercial batia à nossa porta, entrava e abria o mostruário, dele saltavam ilustrações coloridas, com textos e explicações:
Fábulas de La Fontaine, Jean de La Fontaine, Contos de Grimm, Wilhelm Grimm e Jacob Grimm, Sítio do Picapau Amarelo, Monteiro Lobato, O Pequeno Príncipe, Antoine de Saint-Exupéry, Alice no País das Maravilhas, Lewis Carroll, Histórias Maravilhosas de Andersen, Hans Christian Andersen, Fábulas de La Fontaine, Jean de La Fontaine, As Aventuras de Tom Sawyer, Mark Twain, e muitas outra relíquias.
Ficávamos os três sentados no chão, folheando os doces segredos, sonhando cavaleiros, torres, sacis e dragões.
Minha mãe escolhia e assinava um estranho papel amarelo, que o homem guardava com todo o cuidado na pasta, retornando trinta dias depois com o papel na mão junto com a nossa tão sonhada e esperada arca dos sonhos. Anos depois descobri que aquele papel mágico que fazia aparecer livros era na realidade um compromisso de pagamento. Vez ou outra, em meus devaneios e lembranças, pensamentos visitam o passado, transbordando meu coração de orgulho e agradecimento, não sem também uma ponta de melancolia e um quase remorso, tentando decifrar como minha mãe, sozinha, com tantas obrigações, tamanha labuta e míseros vencimentos conseguia “honrar” com o resgate daquelas promissórias que foram muitas pela nossa história.
Nossa mãe com todo o merecimento fez jus ao seu nome, participando da justa e pontual homenagem prestada por Fernando Brant e Milton Nascimento às mulheres e Marias de Minas e do mundo. “Maria, Maria, Maria é um dom, uma certa magia! Mistura a dor e a alegria”. Bem! Falaria da minha mãe anos a fio, toda uma eternidade e ainda seria pouco. Apenas com simplicidade, agradecimento, saudade, admiração, privilégio e honra, vou apenas destacar:
Maria Aparecida Arantes, “Professora Maricada” – Maria de Minas, do Brasil e do mundo.
* Agente cultural